Os Segredos de Conceição
Quando o principal objetivo de uma pessoa é doar a própria vida em função do próximo, a capacidade de superar um passado de sofrimento, até mesmo aquele vivido em um campo de concentração, é inexplicavelmente forte.
Irmã Conceição, uma mulher FELIZ, exemplo de SUPERAÇÃO/Foto: arquivo pessoal
Ao chegarmos neste mundo, não imaginamos o que pode nos acontecer. Nem temos dimensão da magnífica história de vida que podemos escrever através da SUPERAÇÃO.
O Início
Era Primavera na Europa, a estação mais colorida do ano. Nascia na glamourosa cidade de Madri, no dia 21 de maio de 1932, María de la Concepción Asunción, posteriormente, irmã Conceição. Uma criança linda, loira de olhos azuis. Ela sofreria bastante na vida. Mas, ainda bem que Deus existe!
Conceição era a caçula dos dois irmãos. Filha de pais comerciantes. O pai era farmacêutico e a mãe dela trabalhava com ele na farmácia. Tinham uma vida financeira tranquila. E eram católicos.
A década de 1930 marca também um período sombrio de perseguição aos cristãos, do qual Maria da Conceição foi vítima. Ela foi mantida em um campo de concentração por quase 10 anos, de 1935 a 1944.
A perseguição passou a assombrar a família de Conceição quando o pai dela escondeu 50 padres dentro de casa. Os soldados queriam encontrá-los de qualquer forma. Mas, sem sucesso!
A família ficou sabendo que a cidade seria bombardeada uma hora da manhã. Era o início da guerra na Espanha. Nessa época, Conceição estava com 4 aninhos. Ela, o pai, um irmão e a tia foram se refugiar nos arredores de Madri.
Os padres que estavam escondidos foram para casa do avô paterno de Conceição através de um porão no subsolo. Todos eles conseguiram escapar. A mãe de Conceição havia morrido de infarto, causado pelo desgosto de ver o filho mais velho sendo morto em sua frente por um soldado, no início da guerra.
O Campo de Concentração
Quando a família voltou do refúgio, a casa não existia mais. Tinha sido bombardeada. Os soldados levaram Conceição e a família para um campo de concentração na Rússia. Tudo porque o pai dela não revelou onde estavam os padres.
Ela tinha quatro anos quando passou a testemunhar e a ser quase vítima do genocídio que ficou conhecido como holocausto. Por 10 anos, aquela criancinha teve a ingenuidade da infância sendo roubada por torturas incansáveis.
Conceição lembra até hoje dos maus tratos sofridos, dos abusos que as mulheres sofriam pelos guardas. Ela, porém, nunca foi tocada por eles. Em meio à miséria humana, com a falta de comida, roupas, cobertores e sem higiene pessoal, depois de trabalhar o dia inteiro, Conceição e a família tinham aula de tiro à noite.
Para não deixar a esperança morrer no coraçãozinho da garotinha, o pai da futura freira repetia a mesma frase todos os dias: "um dia eu vou tirar você daqui". Certo dia, a menina Conceição apanhou porque estava com fome e pediu um pedaço de maçã ao general.
Em uma noite fria de inverno, começou a cair muita neve. Conceição já estava com 14 anos. O pai dela viu chegar um caminhão para deixar mercadoria. Sem que ninguém percebesse, eles se agarraram ao veículo para escapar do labirinto.
Quando eles estavam fugindo, outra família tentou acompanhá-los. Os guardas perceberam a ausência dessas pessoas e foram atrás. Conceição e seus familiares conseguiram escapar. A outra família, no entanto, foi alcançada e morta a tiros pelos cruéis.
Aquela família espanhola estava debilitada. Não comia há dias. Com as roupas rasgadas, sentiam muito frio. Sem contar que não dormiam há um bom tempo. O sofrimento os acompanhavam incessantemente.
A Volta à Espanha
No caminho de volta à Espanha, as pessoas os ajudavam com abrigo e comida. Todo esforço feito com um objetivo é válido. Mesmo com todo perrengue, Conceição e a família conseguiram chegar à Madri. Estavam desfigurados pela crueldade humana.
Mas a família paterna achava que todos eles estavam mortos. Ao chegar à casa da avó, tocaram a campainha. A empregada abri-lhes a porta e foi avisar à patroa, que havia alguns mendigos pedindo esmola. Todos estavam irreconhecíveis, com vestes rasgadas.
A avó de Conceição foi conferir. Quando viu o filho que acreditava estar morto há dez anos, desmaiou. Conceição já era adolescente e, por isso, a avó não a reconheceu. Era uma criança quando a avó a viu pela última vez.
Quando a senhora voltou em si, chamou um médico para examiná-los. Tomaram um banho, o que, há algum tempo, não sabiam o que era. Ganharam roupas decentes e mataram a fome com a comida da vovó. Resgataram a dignidade humana.
A identidade roubada foi restituída. E a felicidade começou a reinar na vida daquelas pessoas que viveram o inferno em suas vidas.
Conceição e a família que fugiram do campo de concentração não podiam continuar na Espanha. Para não correr o risco de serem capturados novamente. Porém, havia um tio paterno que era padre e morava no Brasil. Ao saber que o irmão e os sobrinhos estavam vivos, ficou contente. Ele também achava que todos estavam mortos.
O tio de Conceição, quando chegou ao Brasil, veio fugindo da guerra. Ele convidou o irmão e os sobrinhos para passarem um tempo na Terra de Santa Cruz até as coisas acalmarem na Espanha.
Irmã Conceição: uma VIDA de doação ao próximo/Foto: arquivo pessoal
A Chegada ao Brasil
Maria da Conceição chegou ao Brasil com 17 anos. No ano de 1947. Acompanhada do pai e do irmão. Desembarcaram no Porto do Rio de Janeiro. Quando viram a beleza da cidade maravilhosa, ficaram encantados. Naquela época não existia favela e nem violência, como atualmente.
A família foi dar uma volta no Aterro do Flamengo antes de pegar o trem para Minas Gerais. Conceição, impressionada com a beleza carioca, desejava que a mãe, que havia morrido há tanto tempo, estivesse presente naquele momento único, quando contemplava uma natureza nunca antes vista.
E dizia feliz "aqui não tem guerra, aqui não tem guerra".
Era o início de uma nova vida. As coisas passariam a ter sentido. E, finalmente, aquela sofrida família poderia viver em paz. O trio foi morar em Belo Horizonte. Uma cidade calma, ideal para começar a escrever uma nova história com capítulos felizes.
Passado algum tempo, a jovem Conceição começou a demonstrar interesse pela vida religiosa.
Moça bonita e extrovertida, ela começou a perceber uma vocação religiosa, um chamado. Era uma jovem normal, tinha namorado, frequentava algumas festas. Chegou a conhecer o carnaval do Rio de Janeiro. Mas o desejo de doar sua vida aos outros por amor a Deus falou mais alto.
Aos 21 anos, a espanhola largou tudo e entrou para o convento Maria imaculada. A fundadora dessa congregação é Vicenta Maria, Santa espanhola. Por incrível que pareça, Conceição conheceu a história de Vicenta Maria no Brasil, embora as duas fossem conterrâneas.
O convento foi fundado por Vicenta Maria de López e Vicunã, em Madri, na Espanha, no dia 11 de Junho de 1876. O objetivo da Santa era acolher jovens meninas que não tinham onde morar para trabalhar ou estudar em Madri. Mas essa missão se espalhou em todos os conventos de Maria Imaculada do mundo.
Conceição se tornou freira do convento Maria imaculada e foi morar no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro.
Na vida religiosa, ela passou a ser a responsável pelo Colégio interno para meninas. Acolhia garotas com problemas familiares. Irmã Conceição, que nunca foi mãe biológica, amava e cuidava das meninas como uma mãe. O amor que as garotas não encontravam em lugar nenhum do mundo, achavam nos braços da doce freira.
Conceição criou, educou, amou, aconselhou e viu cada uma tomar seu rumo. Por 35 anos, teve essa função no convento. Depois disso foi morar em outros estados pelo Brasil, mas sempre com a missão de amar e acolher quem precisava. O pai de Conceição não morou muito tempo no Brasil, voltou para Espanha. Passado alguns anos, morreu.
O irmão de Conceição casou-se com uma brasileira. Construiu uma grande e linda família. Morreu há pouco tempo.
Já a incansável Conceição, depois de morar no Brasil inteiro, voltou para o convento em Santa Teresa. Já revisitou a terra natal várias vezes, mas nunca pensou em ir embora, porque ama o Brasil. Fica triste em ver a cidade do Rio de Janeiro vivenciando um cenário de tanta violência. Aos 85 anos, já tem a saúde debilitada. A fé, no entanto, se mantém inabalável.
Irmãs durante Missa em convento de Santa Teresa, RJ/Foto: arquivo pessoal