Quando o BRILHO é pra Valer
Era uma tarde silenciosa de verão, um pomar gigantesco que abrigava árvores frutíferas com vastas sombras. Ao lado de uma linda casa que chamava atenção pela arquitetura, vários garotos da mesma família e amigos próximos, da famosa rua Lucinda Barbosa, em Quintino, se reuniam para mais uma pelada. Mas, nem sempre conseguimos jogar até o fim, e, mesmo que os fatos não saiam como gostaríamos, devemos continuar para mudarmos o resultado. O bom jogador não é aquele que joga os dois tempos. Às vezes, ele chega, marca presença, faz sua parte, mas logo é substituído para que outro continue a partida. Chega uma hora na vida que precisamos passar a bola para quem amamos, a fim de que o jogo não pare, abrindo mão dos próprios sonhos, para ver sonhos maiores que os nossos se realizarem, e de forma gigantesca. Tanto no futebol como na vida.

Nando Antunes e seu AMOR pelo Ceará
Se você não se tornou o melhor jogador de todos os tempos, mesmo tendo potencial suficiente para isso, não significa que você não seja um campeão, pois a vitória consiste também em ver brilhar aqueles que amamos. Com um brilho jamais visto. Na tradicional família carioca Antunes Coimbra, de classe média, do bairro de Quintino, Zona Norte do Rio de Janeiro, a habilidade e o talento futebolísticos são genéticos. Em uma só casa moravam 6 irmãos, uma mulher, e cinco homens, todos eles famosos jogadores de futebol. Antunes, Tônico, Edu, Fernando Antunes Coimbra, o Nando e Zico.
Todos brilhantes, mas o caminho de Nando mudaria de rota, seria um campeão, mas fora do campo.
Em uma bela casa no início dos anos 50, com enorme extensão, quando raiava o dia com o canto dos pássaros, os raios do sol reluziam na garotada que ia correndo jogar mais uma pelada. Habilidosos com os pés e com um amor incondicional pela bola, os 5 irmãos que marcaram a história do futebol brasileiro se reuniam com alguns amiguinhos para jogar mais uma partida em uma manhã divertida. Não imaginavam o caminho que cada um iria trilhar. Mesmo nas competições escolares, os irmãos ganhavam todas as medalhas e andavam com elas o tempo todo penduradas no pescoço.
Desde criança, o time era o Juventude Bocaiuva de Quintino, o preferido da garotada. Um amigo banqueiro criou o clube e comprou uniformes para o grupo de meninos que se tornariam ícones do futebol.
Da pelada, saíram 5 jogadores profissionais: Antunes, Edu, Nando, Zico e Paulo César Puruca. Depois se juntaram ao grupo Wanderley Luxemburgo, Zé Mário e Jair Pereira.
O primeiro clube de Nando foi o Manufatura, aos 15 anos, no campeonato carioca infanto-juvenil. Posteriormente, Antunes, o irmão mais velho, foi para o Fluminense-juvenil; um ano depois foi para o profissional. Já Edu foi para o América com Paulo César Puruca. Nando demonstrava um grande interesse pelo o futebol e tinha facilidade para escrever. Adorava a leitura.

Nando e seu grande AMOR pelo futebol
Na ocasião, abriu um concurso do Plano Nacional de Alfabetização (PNA), de Paulo Freire. Zezé, sua irmã mais velha , fazia faculdade de Filosofia, e convidou o irmão para prestar o exame para professor. Nando estava ligado no futebol. Mesmo assim, fez a prova e foi aprovado. Dava aula à noite na alfabetização para adulto.
Veio a ditadura: primeiro ato no Rio, considerando o PNA subversivo. E o crime de Nando foi ser professor. Realmente, o conhecimento das pessoas é uma grande afronta ao sistema. Os militares eram muito organizados. Descobriram que Nando estava no futebol no Espírito Santo, entraram no esporte, tiraram o técnico do time e colocaram um major do exército para vigiar as ações de Nando. A partir daí, o jovem jogador passou a ser perseguido e sua vida se tornou turbulenta.
Nando foi afastado do futebol e levado para o presidente do time, que, por sua vez, elogiou seu desempenho como jogador. Deu até dinheiro a ele. Porém, sem entender absolutamente nada, Nando perguntou o que estava acontecendo. O presidente disse que não podia falar. Quando voltou para o Rio, aconteceu a mesma coisa no América e no Madureira. Ele era um dos principais jogadores. A bomba explodiu quando Nando foi para o Belenense de Portugal. Certo dia, estava descansando no hotel após o almoço. Depois de ter treinado a manhã inteira, bateram à sua porta. Eram dois homens que, aparentemente, pareciam ser jornalistas. Chegaram dando carteirada, sabiam tudo de Nando.
Sozinho, com apenas 21 anos e em outro país, o habilidoso jogador entrou em pânico, mesmo pertencendo a uma família famosa. Ameaçaram-no mandar para a guerra nas Áfricas portuguesas porque era filho de português.
Nando pediu ajuda à mulher de um representante do Belenenses, que, por sua vez, ficou chocada com o ocorrido, chorou bastante e falou " Nando, a partir de agora, eu trato você como meu filho, vou te colocar dentro do avião".
Ela providenciou a passagem e Nando saiu fugido de Portugal. Voltou ao Brasil e, chegando em casa, sua mãe estava varrendo a calçada sem saber de nada. Ao vê-lo descendo do táxi, ela tomou um grande susto. Ele se explicou: "mãe, não gostei e voltei".

A ARTE de Nando- A famosa pelada na Lucinda Barbosa
Mesmo injustiçado e tendo o sonho interrompido, Nando escondeu sua história por 40 anos para preservar seus irmãos que eram jogadores de futebol, pois o SUCESSO deles também seria o seu. Passados alguns dias, Nando foi preso pelos militares e torturado por 5 dias, um fato que o marcou profundamente. Por causa disso, Edu, artilheiro do brasileirão da America do Sul à época, foi cortado da copa de 70, por ser irmão de Nando. O mesmo aconteceu com Zico, nas Olimpíadas de 72, em Munique. Mas, nada disso interferiu na boa reputação da família, e Nando nunca baixou a cabeça.
Começou a namorar Elaine Melo, a menina mais linda do bairro, pela qual, desde a adolescência, Nando era encantado. Após 7 anos de namoro, casaram-se em um dia que a temperatura registrava 40 graus à noite. Por pouco, os noivos não passaram mal. Dessa união, nasceram 3 filhos e 3 netos. Nando é casado há 40 anos, um grande homem apaixonado pela família.
Certo dia, recebeu alguns documentos do Ministério da Justiça, pois Nando tinha direito a recorrer na comissão de Anistia. Um ano depois respondeu à carta e, pela primeira vez, contou sua história, prejudicada no futebol por causa disso tudo.
Foi um impacto muito grande na comissão de Anistia, porque ninguém imaginava que um jogador de futebol pertencente a uma das famílias mais respeitadas do Brasil tinha sido afetado no futebol por causa da ditadura.
Em dezembro de 2010, ganhou o processo. Ao terminar a audiência todos os conselheiros quiseram tirar foto com Nando. Um deles morava em Fortaleza, na mesma rua em que Nando residia quando jogava no Ceará. Depois disso, foi convidado para a inauguração do Centro Cultural do Ceará Esportes, em Fortaleza. Os cearenses fizeram 3 dias de festa para homenagear a família Antunes Coimbra, o único que não estava presente foi o Zico por conta da agenda. Tem uma placa no Estádio Presidente Vargas, em Fortaleza, em sua homenagem. Com calçada da fama no primeiro salão, Nando e Zico colocaram os pés nos próprios nomes em formato de estrela. Fizeram o livro "Futebol e Ditadura: Nando, o primeiro jogador Anistiado do Brasil", para homenageá-lo. Inclusive, o cantor Fagner, que é seu amigo pessoal, e tantos outros escreveram no livro, o qual a então Presidente Dilma Roussef fez questão de adquirir o seu no dia da inauguração do museu.
Foi na Assembleia Legislativa do Ceará que Nando recebeu o pedido de desculpas do governo brasileiro. Recebeu o título de cidadão cearense. Em 2016, recebeu o título de cidadão fortalezense. Quando o Estádio do Castelão foi inaugurado, fundaram o Museu do Futebol escolhido pela FIFA como o mais bonito do mundo, onde Nando tem um espaço dedicado a sua história. Também foi eleito embaixador do Ceará e escreveu a letra de uma música para o estado cearense que tanto ama.
Os jogadores que Nando mais admira são os próprios irmãos. Ele defende que os grandes craques são INCOMPARÁVEIS. Gosta do estilo único de Gerson, Rivelino, Garrincha, Neymar, Zico e Ronaldo Fenômeno. O jogador que mais o entusiasmou foi Johan Cruijff da Holanda, na Copa do Mundo de 70. Nando é um flamenguista apaixonado pelo Ceará, os dois times do coração. Católico, devoto de São Jorge, autor do livro Clube dos Vitalícios, passa a maior parte do tempo no próprio ateliê no terraço de sua casa, faz pinturas incríveis que já foram para a exposição. Já foi dirigente da Escola de Samba Estácio de Sá, e é escritor.
